Cláusula take-or-pay permite alocação de riscos entre as partes e garante o fluxo de receitas ao vendedor/transportador.
O comércio de gás no Brasil garante o fluxo de receitas e de fornecimento de insumos por meio da cláusula “take-or-pay”, minimizando riscos e evitando conflito entre as partes envolvidas. A Take-or-pay é uma cláusula comum em contratos de compra e venda de gás, que impõe ao comprador a obrigação de pagar por uma quantidade mínima do insumo em dada periodicidade, independentemente de o ter consumido ou não. O comprador, portanto, à sua conveniência, escolherá entre pagar pelo gás e consumi-lo ou pagar pelo gás, sem consumi-lo.
“Essa cláusula não se restringe apenas ao mercado de compra e venda e transporte de gás. Ela é também empregada nos setores de energia elétrica, transporte ferroviário de carga, infraestrutura portuária, transmissão de dados etc. Variações de seu mecanismo são também conhecidas sob as denominações adicionais de ship-or-pay, send-or-pay, deliver-or-pay, dentre outras”, esclarece Leonardo de Campos Melo, advogado e sócio do LDCM Advogados.
- Em linhas gerais, a cláusula take-or-pay permite conciliar em uma só operação comercial:
- A alocação de riscos entre as partes contratantes;
- A garantia de fluxo de receitas para o vendedor/transportador – e, consequentemente, aos seus financiadores;
- A garantia, para o comprador, de fluxo constante de fornecimento do insumo, o que impacta diretamente o seu custo de capital; e
- A não variação de preço conforme aumentos sazonais na demanda.
- A cláusula, portanto, consiste em elemento de estabilização de preço e gerador de eficiência no mercado específico.
É preciso esclarecer: take-or-pay não é uma cláusula penal
A cláusula penal é elemento acessório a dada obrigação, e está intrinsicamente ligada ao seu descumprimento culposo. Ela serve como reforço obrigacional, pois oferece ao credor um instrumento apto a coagir o devedor a cumprir o que lhe cabe, sob pena de que este pague perdas e danos prefixados.
Seja pactuada cláusula penal para o mero atraso no cumprimento da obrigação, seja ela acordada para as hipóteses em que a prestação se torna imprestável ao credor, sobreleva, em ambas as hipóteses, a figura do inadimplemento. E ambos os elementos de acessoriedade e inadimplemento, essenciais à configuração da cláusula penal, não estão presentes na cláusula take-or-pay.
“Com efeito, na cláusula take-or-pay, não há a presença dos elementos de acessoriedade e inadimplemento. Por exemplo, em contrato de compra e venda de gás com cláusula take-or-pay, o comprador se obriga a adquirir do vendedor, em dada periodicidade, quantitativos mínimos, independentemente de sua retirada. A necessidade de pagar o take-or-pay, consequentemente, compõe o modo de cumprimento da obrigação, integrando a própria essência do negócio, sem vínculo algum com a existência de inadimplemento”, explica o advogado.
A cláusula take-or-pay pode gerar disputas entre as partes envolvidas?
Em relações comerciais paritárias, celebradas entre partes capazes, tanto do ponto de vista técnico quanto financeiro, as cláusulas take-or-pay consistem em instrumento salutar de alocação de riscos, e, salvo situações excepcionais, bem refletidas na teoria da invalidade do negócio jurídico, deve ser respeitada por árbitros e juízes.
“Essas mesmas cláusulas, contudo, quando inseridas no âmbito de relações de consumo, marcadas pela presença de uma parte hipossuficiente, podem dar causa a situações de iniquidade, a exigirem a intervenção do Poder Judiciário, ou mesmo do Tribunal Arbitral (nas hipóteses em que cabível a arbitragem). Recomenda-se, especialmente nesse tipo de avença, que a cláusula seja devidamente destacada, com rubrica específica do consumidor, a demonstrar a sua real compreensão do mecanismo take-or-pay e, principalmente, das consequências dele advindas”, conclui Leonardo.
Fonte: Líder.inc | https://lider.inc/noticias/energia-infra/contratos-garantem-seguranca-para-fornecedores-e-consumidores-no-setor-de-gas