Smartphones
Artigo de opinião | Por Rafael Gagliardi, consultor de marketing e sócio da LETS Marketing
O smartphone mudou completamente nossas vidas desde 9 de janeiro de 2007, quando Steve Jobs lançou o iPhone. Uma ideia bizarra é que há mais pessoas no Brasil com smartphones do que com saneamento básico. E nós, seres humanos, estamos sendo bombardeados com uma quantidade praticamente infinita de informação. Não me leve a mal, pois adoro a praticidade e a revolução que os celulares inteligentes trouxeram para nossas vidas, mas, com isso, coisas (muito) ruins também vieram.
É fato que nós, seres humanos dessa nova era, estamos, exponencialmente, perdendo ou desvirtuando nossa capacidade de atenção. Nossa habilidade de focar diminuiu bastante. Vocês já devem ter ouvido sobre um estudo da Microsoft que dizia que nossa capacidade de foco está em queda. Nos anos 2000, éramos capazes de focar em algo por 12 segundos e, atualmente, apenas 8 – o que corresponde a 1 segundo a menos do que um peixe dourado. Pois bem, saiba que essa notícia é completamente falsa! Quando esse estudo foi divulgado, saiu em vários jornais renomados, como o New York Times. Mas, na verdade, ninguém fez nenhuma pesquisa com seres humanos ou peixes dourados, mas nós, antes de replicarmos incansavelmente essa informação na rede, não nos demos ao trabalho de checar.
Apesar dessa história ser um mito, é certo que nossa capacidade de atenção está diminuindo. Basta perguntar para qualquer pessoa qual foi o último vídeo que ela viu no Reels do Instagram, no YouTube ou no TikTok. É bem provável que ela não se lembre, pois o consumo da informação foi tão rápido que o cérebro não teve a oportunidade de arquivar uma memória.
É a era do fácil acesso à dopamina
A dopamina está relacionada com o chamado sistema de recompensa, que é um circuito neuronal no cérebro que influencia diretamente nossas emoções. Esse sistema garante a motivação para realizar certas atividades, como a sensação de felicidade quando comemos ao ter fome, quando finalizamos um exercício físico, quando lemos um livro bacana ou quando concluímos um projeto incrível. Ela está envolvida em diversos processos cognitivos e comportamentais, incluindo o foco. E não se engane, ela é viciante!
“Celulares, internet e as mídias sociais são uma droga potente”, como afirmou a psiquiatra americana Anna Lembke, professora da Universidade Stanford e chefe de uma clínica especializada em dependência química.
Estamos vivenciando os impactos do uso excessivo de tecnologia em nosso comportamento e bem-estar. As redes sociais e os aplicativos de celular foram projetados para estimular a liberação de dopamina, criando uma busca constante por recompensa e gratificação. Isso nos motiva a continuar vidrados na vibrante tela de cristal líquido, muitas vezes deixando de lado ou dando menos atenção a responsabilidades e atividades primordiais de nossas vidas pessoais e profissionais.
Atenção!
A capacidade de prestar atenção é, muitas vezes, uma questão de vida ou morte para os seres vivos mais complexos e é primordial para o desenvolvimento e para o processo de aprendizagem. Focar e manter o interesse em uma determinada tarefa é importantíssimo até para a neurociência, que entende que a atenção fornece os mecanismos que sustentam nossa consciência do mundo e a regulação voluntária dos nossos pensamentos e sentimentos.
Sem atenção e foco, somos menos capazes de concretizar objetivos, finalizar tarefas, cumprir prazos, entender uma matéria e, também, controlar a ansiedade – algo que contamina nossa sociedade em uma velocidade colossal hoje em dia.
Cansaço mental
Recentemente, a CNN Brasil divulgou uma matéria que trata do cansaço mental, um estado psicológico em que a exaustão cerebral torna-se recorrente e passa a prejudicar a realização de atividades diárias, possuindo sintomas muito semelhantes à Síndrome de Burnout (que é exclusivamente relacionada ao trabalho). Grosso modo, estamos falando, em ambos os casos, de sobrecarga cerebral, onde uma das primeiras causas apontadas por especialistas é o excesso de telas, que trazem uma sobrecarga de estímulos para o cérebro. Com isso, a mente tende a ficar mais acelerada e o sistema nervoso pode ser impactado pela hiperestimulação, levando à exaustão psicológica.
Voltando ao ambiente profissional, junte isso com as cobranças do dia a dia e pronto, temos aqui uma fórmula altamente explosiva.
Imaginem essa rotina: Você liga o seu computador e se depara com uma enxurrada de e-mails que requerem sua atenção. Você abre a primeira mensagem, que se trata de um assunto urgente que requer tempo e dedicação. Mal você começou a pensar sobre essa tarefa, seu celular apita! É uma mensagem no WhatsApp falando sobre outro assunto. Seu cérebro tem que decidir o que é mais importante e onde colocar o foco, mas todos aqueles e-mails permanecem abertos dentro da sua cabeça, como pop-ups que não podem ser fechados, pois ainda não foram resolvidos. Mal você começa a produzir algo e seu celular já emitiu um novo som! É uma notificação no seu Instagram. Você abre a notificação e resolve dar uma rápida olhada na timeline, quando vê que um amigo que um amigo seu acaba de postar um Stories. Enquanto isso, você recebeu uma cobrança do seu chefe, colega ou cliente sobre aquele primeiro e-mail que você abriu e, obviamente, não concluiu. Pronto! É possível imaginar seus neurônios operando como um jogo de queimada. Faça isso todos os dias e você vai entrar em clubes muito populares como o da Fluoxetina, do Zolpidem, da Sertralina ou do (meu favorito) Escitalopram.
“Quanto mais somos interrompidos por estímulos externos, maiores são as chances de nos distrairmos com estímulos internos”. Quem disse isso foi Gloria Mark, psicóloga americana e professora do Chanceler no Departamento de Informática da Universidade da Califórnia. Ou seja, nossa mente já tem uma tendência natural de se distrair, mas as perturbações do ambiente podem agravar isso. E isso é completamente normal. O que não é normal é a enormidade crescente de estímulos que recebemos atualmente.
Monkey Mind
Nós vivemos em um mundo acelerado e é de se esperar que isso tenha efeitos em nossos cérebros. Estamos viciados na liberação fácil e constante de dopamina e, como todo viciado, achamos que podemos parar quando quisermos. O jornal The Wall Street Journal cunhou o termo “cérebro de TikTok” para descrever o fenômeno em que as pessoas rolam infinitamente o feed de alguma rede social em busca do prazer instantâneo dos vídeos curtos, já que não conseguem manter o foco e se aborrecem com rapidez.
O que nem todos idealizam é que o seu foco também faz girar a economia de praticamente todos os setores. Paga-se, cada vez mais, por segundos da sua atenção. Ela é, para muitas empresas, um produto, cada vez mais escasso e valioso. Basta observar a quantidade de anúncios e conteúdos sugeridos que pipocam em sites e redes sociais. E convenhamos, estamos já tão acostumados com esses anúncios que cada vez menos nos lembramos deles.
Voltando ao assunto, a dopamina não é nossa inimiga. Muito pelo contrário, já que ela é essencial para o bom funcionamento do nosso organismo. Entretanto, a “indústria da atenção” vai continuar em busca do nosso foco, usando como moeda de troca breves descargas de dopamina.
Mudar alguns hábitos, como tirar o som de notificações do celular, controlar o tempo de tela ou determinar horários para checar notificações podem ajudar, mas não é só isso. É preciso descansar a mente de vez em quando, pois uma mente descansada é saudável e produtiva.
Infelizmente, os smartphones possuem muita culpa no cartório. Embora sejam dispositivos maravilhosos que colocam o mundo na palma de nossas mãos, eles cobram nossa atenção com um elevado grau de urgência, tocando, apitando, piscando e vibrando, competindo com as demandas do mundo externo e alterando nosso humor e estresse. Eles roubam o nosso esforço cognitivo que, muitas vezes, deveria estar aplicado nos nossos relacionamentos, no trabalho ou em tarefas de casa, por exemplo.
No budismo, usa-se muito o termo ‘monkey mind’ – que ilustra uma mente que fica pulando de uma coisa para outra, como um macaco em galhos, e isso é péssimo em vários aspectos e exigências da nossa vida, principalmente para a atenção sustentada (capacidade de o indivíduo manter o foco atencional em determinado estímulo ou sequência de estímulos durante um período), que é responsável pela criatividade, inovação e por grande parte das nossas conquistas intelectuais. Possivelmente, inclui a superação de crises de ansiedade e estresse.
Minha sugestão: Não caia na armadilha de olhar constantemente notificações do celular, estabeleça limites e períodos de uso, e defina bem o que é importante e/ou urgente na vida pessoal e profissional.
Terão mais qualidade de vida no futuro aqueles que souberem usar bem sua atenção. Livres para dar foco ao que realmente importa.