Mesmo com o tradicionalismo e o conservadorismo, mercado jurídico está pronto para inovar e, ao longo dos últimos anos, vem realizando gradativamente iniciativas nesse sentido, segundo especialistas.
O mercado jurídico está pronto para inovar
Em certa medida, a pandemia da Covid-19 acelerou a adoção de novas metodologias e pensamentos no setor jurídico, uma vez que muitos escritórios tiveram que implementar rapidamente procedimentos, ferramentas, infraestrutura e regras para uso de estruturas digitais.
O mercado jurídico e a prestação de serviços jurídicos, obrigatoriamente, acompanham o desenvolvimento da sociedade. Ela evolui, legislações são criadas e advogados, como operadores do Direito, buscam a inovação como consequência.
“Ao longo dos anos o universo jurídico se blindou de mudanças que pudessem afetar seu status quo. No entanto, são inquestionáveis os recentes avanços no Poder Judiciário, bem como na estrutura dos escritórios e departamentos jurídicos”, afirma André Felix, sócio do Ernesto Borges Advogados e Professor Assistente na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
A digitalização dos processos e tribunais, a possibilidade de realização de audiências virtuais, a criação de inúmeros sistemas operacionais para gestão processuais, a inteligência artificial, os investimentos em marketing jurídico e o desenvolvimento de robôs para auxiliar atividades rotineiras são comprovações de que a criação de solos férteis para a inovação no mercado jurídico se consubstancia de forma prática na massiva predominância dos processos digitais frente aos físicos.
Por obvio, ferramentas de inteligência artificial ou machine learning ainda carecem de robustez e aplicabilidade no Direito, principalmente quando comparamos aos ganhos e avanços gerados em outros setores econômicos. Porém, “os escritórios ainda têm dificuldade em estabelecer budgets para investir em inovação e criar, adquirir ou analisar tecnologias ou ferramentas que possam otimizar suas atividades”, é o que afirma Fabio Alonso Vieira, sócio do Kestener, Granja & Vieira Advogados.
Para Marcel Daltro, Diretor do Nelson Wilians Advogados, “os últimos 15 anos foram disruptivos para a vida de qualquer advogado” e, atualmente, há poucos entraves para que a inovação ocorra dentro dos escritórios de advocacia. Entre eles, maior acesso com baixo custo a tecnologias e atualizações de legislações e regimentos internos.
Presente e futuro dependem do investimento em tecnologia
Atualmente, tanto os escritórios que trabalham nas áreas de direito consultivo quanto contencioso precisam realizar investimentos em tecnologia. Além de tornar o escritório mais competitivo, muitos clientes, direta ou indiretamente, buscam escritórios que facilitem o seu dia a dia. Tais investimentos podem estar relacionados à hardwares (computadores, monitores, servidores, etc) ou à softwares. Com a pandemia da Covid-19, algumas ferramentas como softwares de assinaturas eletrônicas se tornaram populares e já foram incorporadas à rotina dos advogados, assim como soluções para identificação e gestão de processos judiciais, programas de compliance e regras para proteção de dados.
Segundo a pesquisa ‘O impacto da Covid-19 nos escritórios de advocacia’, realizada pela consultoria de marketing jurídico LETS Marketing no início da pandemia, 55% dos respondentes relataram que os investimentos em tecnologia, acelerados pela nova dinâmica do mercado, foram encarados de forma positiva pelos advogados.
“A rapidez no desenvolvimento das atividades cotidianas, a desobrigação de deslocamentos físicos, a facilidade de acesso a informações e conexão diretos com toda sua cadeia de relacionamentos são alguns dos benefícios e economias que a tecnologia pode trazer para a vida de um escritório”, relata Daltro.
Máquinas e robôs devem substituir a função do advogado?
Possivelmente algumas funções do advogado podem, sim, serem substituídas por novas tecnologias, como os acompanhamentos processuais e de decisões judiciais, os arquivamentos societários e a elaboração de alguns contratos, bem como atividades administrativas, como o lançamento de fichas de tempo ou o arquivamento de documentos, antes exercidas por advogados, estagiários e paralegais. Para Vieira, “isso é bom, essas ferramentas vão garantir maior agilidade na prestação de serviços, principalmente aqueles relacionados ao backoffice, e uma personalização maior do serviço jurídico, uma vez que o profissional terá mais tempo para se debruçar sobre as questões estratégicas”, ressaltando que que a presença do advogado em questões consultivas, audiências, negociações ou tratativas ainda será fundamental.
Feliz reforça que “advogados e operadores do direito, precisam mudar seu mindset e entender as novas tecnologias como ferramentas que lhe auxiliarão nas mais variadas atividades, substituindo trabalhos repetitivos, sem desnaturar funções e atividades intelectuais”.
“A chegada de novas ferramentas tecnológicas ao mercado jurídico deve ser encarada como um aprimoramento da prática. Jamais um robô substituirá o estabelecimento da relação de confiança entre o advogado e o seu cliente”, pontua Daltro. Simples atividades acessórias, como uma pesquisa jurisprudencial, que há pouco tempo utilizava horas de um advogado, hoje está a poucos cliques de distância. O real entendimento de uma demanda, suas nuances, definição das melhores estratégias, como isso será colocado em uma peça e despachado com o Juiz, sem falar nas sustentações orais. “Ainda não vi nenhum robô fazendo uma”, reforça.
Lawtechs e legaltechs são parte da cadeia jurídica
Com a pandemia, as lawtechs e legaltechs prosperaram significativamente, uma vez que se tornou necessária a migração das estruturas físicas para as digitais. Tendo em vista que essas empresas buscam oferecer vantagens para o mercado jurídico, como a redução de custos e o aumento da produtividade, apesar da atuação ainda limitada por exigências da OAB, vieram para ficar e auxiliar na criação de uma nova cultura corporativa.
“O mercado jurídico, muito mais aberto ao consumo e tratamento de dados, bem como a implementação de plataformas que auxiliem as tarefas jurídicas”, constata Felix. O maior desafio dessas startups está em desenvolver soluções disruptivas que superem o tratamento de dados para entregar valor as empresas e aos escritórios.
Advogados estão prontos para lidar com clientes que atuam em setores de inovação?
De acordo com Daltro, empresas que lidam com inovação como parte de seus core business, exigem forma e velocidade de atuação distintas das demais. “O aprofundamento e amplo conhecimento de como funciona a área de inovação é indispensável para um advogado que quer se destacar na mesma”. Ao mesmo tempo é importante os escritórios estimularem soluções multidisciplinares, testarem novas aplicações, simplificarem processos e multiplicarem conexões.
Felix constata que “o maior desafio está em romper a blindagem e inovar fora do guarda-chuva do Poder Judiciário” e complementa ser necessária visão transversal e multidisciplinar das “dores” dos clientes para entregar valor que vá além da mera condução processual. “O advogado deve alterar seu foco do processo judicial para o cliente, colocando-o no centro da prestação de serviço em detrimento do arcabouço jurídico”.
Para Vieira, “o profissional que lida com clientes na área de inovação deve ser curioso, atualizado, ter domínio sobre vários assuntos diferentes e ser ágil”. Isto significa, por exemplo, que ao analisar uma questão societária pode-se esbarrar em um impedimento tributário ou vice-versa. Essas habilidades ajudam o profissional a analisar o cenário completo e tomar uma decisão rápida quanto ao risco que será tomado e qual a extensão deste risco.
Fonte: Líder.inc | https://lider.inc/noticias/gestao/como-o-setor-juridico-brasileiro-encara-a-inovacao