O que o acelerador de áudio do WhatsApp diz sobre a nossa forma de trabalhar
Recentemente, o aplicativo de mensagens mais popular do mundo disponibilizou para usuários uma função para acelerar a reprodução de áudios, possibilitando ajustar a velocidade para 1x, 1,5x e 2x. O recurso chega como uma solução para gestar o aumento no fluxo de comunicações durante o período da pandemia e de distanciamento social.
Por Isadora Camargo e Rafael Gagliardi
Acelerar. Esse é o tom e a expectativa das rotinas diárias em casa, ou no trabalho. A demanda pela alta produtividade e a exigência pela resposta imediata aparecem, cada vez mais, como condições das relações. A mudança é um reflexo do momento em que vivemos – um desbalanceamento da quantidade de informações, acessos que lidamos no dia a dia e o tempo disponível para consumi-las.
As tecnologias, então, aproveitam deste momento para lançar funcionalidades que, ao mesmo tempo, resolvem necessidades sociais, criam comportamentos de uso e, ainda, capturam dados de acesso a pretexto de melhorar a experiência do usuário.
Com o surgimento do acelerador de áudios do WhatsApp, sequer paramos para pensar que nossos estímulos sonoros estão sendo captados e armazenados pela empresa, tornando-se propriedade intelectual desta rede. O futuro destas transformações digitais é incerto. De momento, o ‘boost’ da ferramenta parece acalmar os ânimos de uma ansiedade laboral gerada pelo crescimento das demandas de trabalho e das tarefas do lar.
É fato que as pessoas, em casa, deixam de passar horas no trânsito e no deslocamento em horários de almoço, por exemplo. Há também que considerar a necessidade constante de se sentir próximo a outro ser humano, fazendo com que os mecanismos online tenham um papel fundamental na manutenção dos relacionamentos profissionais ou pessoais.
‘Tempo’ é justamente o fator-chave dessa reflexão. A aceleração dos áudios é a manifestação dessa falta (de tempo) e os pormenores passam a ser superficiais e descartáveis. É uma forte indicação de que a objetividade se sobrepõe a qualquer tipo de problematização para que possamos conduzir nossas novas rotinas, principalmente no trabalho.
Há exemplos em nossa consultoria, como o aumento na frequência de reuniões, o recebimento e resposta de e-mails extrapolando o horário comercial, a atenção constante ao smartphone e outras ferramentas de comunicação e, por fim, ao aplicativo WhatsApp – dezenas ou, às vezes, centenas de mensagens ficam acumuladas lá, no intervalo das atividades, distribuídos nos incontáveis grupos de pessoas.
É nesse contexto que o acelerador de áudios entra para agilizar as interações e, como produto secundário, agregar um ar de superficialidade nas trocas de mensagens. Ir direto ao ponto é a meta.
Mas e os detalhes? Os respiros? As grandes ideias que surgem em momentos de silêncio ou mesmo da observação sem propósito? Parece que a criticidade fica adormecida quando estamos no “modo do aceleramento”.
Aumentar a velocidade dos áudios está longe de ser uma inovação tecnológica. Não podemos esquecer das videoaulas ou palestras no YouTube sendo assistidas em velocidade máxima. A economia da atenção é avassaladora. Se não estamos em modo acelerado, estamos dividindo o tempo com mais de uma tarefa simultânea.
O nosso Zeitgeist – termo alemão para espírito do tempo e da época – se traduz por um imediatismo sistêmico e, quando apavorados, surgem listas na internet indicando “10 tipos de comportamento para se lidar com a pressão do tempo”.
Antes, um marcador de horas, agora um ativo. Seria o tempo um fundo de investimento?
Podemos ganhar tempo, mas perdemos uma série de momentos, como pequenas nuances nas expressões do interlocutor, a humanização do contato, as informações que consideramos dispensáveis, típicas de um bom bate-papo com colegas, clientes, parentes e assim por diante.
Tudo isso traz à tona reflexões sobre qualidade de vida, estresse e ansiedade. A sensação de estar sempre correndo contra o tempo e reagindo a constantes cobranças fadiga o nosso intelecto. Alguns pesquisadores já falam em ‘detox digital’, determinando hora do dia para desligar o celular e iniciar a desconexão ou mesmo passar momentos sem utilizar dispositivos tecnológicos.
O mercado acrescenta o adjetivo slow, por exemplo, para determinar uma ação ou uma tendência atrelada a hábitos de consumo mais responsáveis e comportamentos que valorizam a duração do tempo ou a durabilidade de um objeto: ‘slow fashion’, ‘slow food’. E o ‘slow job’ e a ‘slow life’?
Seria esse um ritmo sustentável? O grande questionamento é se estamos observando o que fazemos e conseguindo executar as tarefas e deveres do dia no “modo acelerar”.
Aumentar a velocidade do fluxo de informação vai mesmo favorecer o trabalho para garantir um bem-estar em casa? Ou estaríamos produzindo, exageradamente, sem filtros e sem reflexão, resultando em consequências desfavoráveis para o que, justamente, estamos tentando fazer: Trabalhar com mais eficiência. E que tipo de atenção estamos dando para as nossas relações interpessoais?
Me interessa
Super concordo. Estamos perdendo um bem muito precioso: a qualidade nas relaçoes interpessoais.