Em um novo cenário de trabalho flexível e implementação estendida do home office, empregadores precisam estar atentos às normas e regras, a fim de evitar futuros litígios.
A pandemia do novo coronavírus intensificou as práticas de trabalho remoto, e o tema que, em geral, encontrava certa resistência na cultura das corporações, desenvolveu-se à força da necessidade. Passado quase um ano do início da crise sanitária, empresas cada vez mais anunciam a intenção de implementar políticas de home office em caráter definitivo no cenário pós-pandemia.
“Os modelos flexíveis de trabalho são os mais cogitados, na tentativa de conjugar as vantagens do trabalho à distância com a necessidade fundamental de se manter conexões dentro da empresa. Afinal, todos necessitamos de socialização e de conexões interpessoais e, fora do cenário de pandemia, o home office não pode ser sinônimo de isolamento social”, ressalta Roberto Baronian, sócio do Granadeiro Guimarães Advogados.
Outros modelos opcionais de trabalho também ganham força neste ambiente de flexibilidade, deixando a cargo do empregado avaliar e decidir se e quando trabalhará em home office, preservadas as necessidades de comparecimento na empresa para encontros e eventos específicos.
No entanto, sob o ponto de vista jurídico, algumas questões importantes surgem em meio a regras legais que já regulam o trabalho remoto e a um emaranhado de princípios e normas que regem o direito do trabalho brasileiro. E para evitar futuros litígios, é preciso que os empregadores estejam atentos a todas elas.
Acordo bilateral
O home office, como modalidade de trabalho remoto, exige um acordo bilateral e formal entre empresa e empregado, regulando as regras que serão aplicáveis. Pressupõe, portanto, a anuência expressa do empregado.
“Ao longo de 2020, tivemos regras temporárias que permitiam o estabelecimento do teletrabalho unilateralmente pelo empregador, mediante simples comunicação ao empregado, dada a necessidade de isolamento social como prevenção à disseminação da doença. Contudo, apesar de os motivos ainda persistirem neste início de 2021, é de se ter em mente que esta regra era excepcional e já se expirou”, explica Baronian.
Controle da jornada de trabalho
Um dos aspectos que certamente gerará mais litígios no home office diz respeito ao controle da jornada de trabalho. Em 2017, a reforma trabalhista estabeleceu expressamente na CLT que os empregados em regime de teletrabalho não estão sujeitos à controle de jornada e não possuem direito a horas extras, independentemente de o trabalho ser compatível, ou não, com o controle de jornada. A exemplo do que ocorreu e ainda ocorre com outros pontos da reforma, este dispositivo é contestado no meio jurídico.
De toda forma, é de se atentar que, para os fins da CLT, considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com uso de tecnologias de informação e comunicação. Esta preponderância prevista na lei, até aqui, vem sendo interpretada literalmente, em termos quantitativos. Logo, o modelo flexível com apenas 1 ou 2 dias por semana em home office não se enquadraria nesta regra e, portanto, não estaria abrangido pela ausência de controle de jornada.
Para os casos enquadrados na regra prevista na CLT, será preciso ter em mente que, se o home office pressupõe flexibilidade, liberdade pessoal de organização do trabalho e ausência de controle de horários por parte do empregador, não poderá a empresa adotar uma postura contraditória, controlando, aferindo e exigindo o cumprimento rígido de horários por parte de seus profissionais.
Controles, exigências de disponibilidade em horários excessivos (durante a noite ou finais de semana) e o próprio volume de trabalho imposto pelo empregador no âmbito do teletrabalho tendem a ser avaliados em futuras disputas judiciais sobre o tema.
“Mais do que gerar condenações em horas extras, demandas como esta, em última análise, visarão impedir que o home office acabe se transformando, conscientemente ou não, em um indesejável ambiente de jornadas de trabalho exaustivas, com profissionais permanentemente conectados ao trabalho, e seus consequentes prejuízos à saúde e ao convívio social. A atenção a estes aspectos nas políticas de home office, na gestão e na própria cultura da empresa, será de fundamental importância também sob o ponto de vista jurídico”, pontua o advogado.
Muitas empresas vêm optando por manter o controle das jornadas de trabalho por meio de sistemas eletrônicos alternativos como sistemas via web e aplicativos, que já são admitidos pela legislação. Esta decisão acaba sendo tomada para evitar litígios acerca do tema, por opção de gestão ou até mesmo por necessidade, em trabalhos que exigem, em sua essência, a conexão permanente do profissional durante a jornada de trabalho. Em call centers, por exemplo, o controle da jornada e das pausas previstas para as atividades de teleatendimento é mandatório.
Privacidade do empregado
Vale destacar que, em qualquer situação, o controle da jornada, se implementado, não pode servir de pretexto para controles e monitoramentos que invadam a privacidade e a intimidade do profissional no âmbito do home office, ponto este que também já chama a atenção no ambiente jurídico regulatório das relações de trabalho. Trata-se de um aspecto sensível a ser considerado na matéria.
Despesas: esmpregador deve custear?
Outra questão que ganha relevância no tema diz respeito ao reembolso de despesas decorrentes do regime de teletrabalho. Em linhas gerais, precedentes judiciais já tinham em consideração que despesas comuns no ambiente residencial, como energia elétrica e internet, não deveriam ser reembolsadas pelo empregador, salvo se comprovado um investimento adicional e relevante, específico e exclusivo ao trabalho.
Baronian reforça que “a reforma trabalhista de 2017, por sua vez, deixou claro que a responsabilidade pela aquisição e manutenção de equipamentos e infraestrutura serão previstas em contrato, o que, em linhas gerais, pode ser entendido como uma liberdade contratual entre as partes, não havendo, portanto, a obrigatoriedade de reembolso por parte do empregador. Outros defendem que o custeio das despesas a cargo do empregador é obrigatório, dado o princípio de que não se pode transferir os riscos do negócio (custeio de despesas incluso) ao empregado”.
Como forma de evitar futuras discussões a este respeito, algumas empresas estão prevendo o custeio de despesas ou ajudas de custo em sua política de home office, valendo destacar, neste ponto, que tais valores, se e quando pagos para esta finalidade, não sofreriam os encargos trabalhistas típicos do salário. Uma vantagem, portanto, em termos de política de remuneração e benefícios.
Mais questões possíveis
Outras questões certamente ainda vão surgir, a exemplo da definição da norma coletiva (acordo sindical) aplicável aos contratos de trabalho em regime de teletrabalho. Considerando a regra geral prevista em nossa legislação, que leva em consideração o local de prestação de serviços, qual seria o sindicato representante do empregado? O existente no local de sua residência, onde ele preponderantemente atua? Ou aquele do local do estabelecimento da empresa, ao qual o contrato de trabalho está vinculado e onde poderá haver trabalhos presenciais, ainda que em menor escala? Como fica esta questão quando o empregado executa o teletrabalho fora do país? Não se sabe ainda se, em função do teletrabalho, teremos uma revisão deste conceito do local da prestação de serviços, para fins de representatividade sindical, ou se a solução da questão dependerá de uma necessária revisão do modelo de organização sindical brasileiro.
“O trabalho à distância, na modalidade de home office, certamente passará por análises e definições interpretativas no ambiente jurídico, em especial nos Tribunais, como é típico acontecer em práticas trabalhistas que mudam paradigmas. Até que tenhamos um bom nível de segurança jurídica, objetivo muito almejado, mas quase sempre olvidado, vale ficar atento aos parâmetros já existentes na legislação e às tendências que gradativamente vão sendo construídas para as principais questões jurídicas suscitadas na matéria”, completa Baronian.
Fonte: Líder.inc | https://lider.inc/noticias/economia/roberto-baronian-5-questoes-juridicas-relevantes-sobre-o-home-office